Por: Nivaldo Londrina Martins do Nascimento (Mtb 35.079/SP.)
Segundo especialistas na área da psicanálise, o ato falho “é um erro na fala, na memória ou na ação física em que ocorre à interferência de um desejo inconsciente subjugado ou de uma linha de pensamento internalizado. Os exemplos clássicos envolvem deslizes de linguagem, mas a teoria psicanalítica também engloba leituras errôneas, audições errôneas, digitações errôneas, esquecimentos temporários e o extravio e a perda de objetos”. Não por acaso, foi Sigmund Freud quem descreveu pela primeira vez o fenômeno num livro (A psicopatologia da vida cotidiana, de 1901).
É difícil encontrarmos alguém que nunca tenha cometido um ato falho. Cometi poucos, mas um deles entrou para a história. No final de 2001, Aloizio Mercadante, então deputado federal, veio fazer uma palestra sobre economia em Adamantina. Depois do evento, nos reunimos na casa de um amigo com alguns petistas para uma pequena confraternização. Lá pelas tantas da noite, os debates sobre as eleições que ocorreriam no próximo ano começaram a ficar acalorados.
Percebendo que as minhas ideias não batiam com o pensamento da maioria das pessoas presentes, o deputado quis saber o porquê de tanta discordância. Expliquei o meu ponto de vista em alguns assuntos e encerrei a minha fala com o bordão “toda unanimidade é burra”, de Nelson Rodrigues. No entanto, por um ato falho, acabei dando o crédito da famosa frase ao cantor Nélson Gonçalves. Logo entoou alguns versos da famosa canção A Volta do Boêmio, puxados pelo saudoso professor João Pedro Morandi. O camarada José Apóstolo Netto me alertou sobre o equívoco, tentei corrigir o erro, mas o estrago já estava feito. Sem nenhuma outra alternativa, tive que ficar quieto e aceitar a gozação generalizada.
Como aqui se faz, aqui se paga, em 2002, João Pedro era candidato a deputado estadual e participaria de um debate no extinto CEFAM, em Adamantina. Conversa val, conversa vem, e eis que um aluno de extrema direita (sempre existiu esse tipo de militante na cidade) pergunta o que os defensores dos direitos humanos achavam do assassino do jornalista Tim Lopes. João Pedro explicou que Elias Maluco nunca teria o apoio de quem defende os direitos humanos, pois o que ele havia feito com Tim “Maia” era um crime hediondo e imperdoável. Confesso que me senti vingado com a reação dos alunos ao ato falho do inesquecível amigo. Nunca dei tanta risada na minha vida.
Deixando os atos falhos, vamos ao nosso segundo tema do dia. Trata-se da cachaça na política. Há mais de 20 anos, o eterno defensor dos direitos humanos Hélio Bicudo, na época deputado federal, também esteve palestrando na Cidade Joia. Terminada a palestra, nos dirigimos até a residência do professor universitário Rubens Galdino da Silva, onde iriamos tomar um café e ter uma conversa mais reservada. Como no evento, não tinha conseguido fazer algumas perguntas sobre o Esquadrão da Morte (grupo de extermínio formado por “policiais” na ditadura militar) ao pequeno grande homem, imaginei que lá poderia fazê-las. Tudo caminhava nessa direção, até que entrou em cena um delicioso licor de pequi servido pelo dono da casa. Explico.
Rubens Galdino, além de ótimo anfitrião, também é um grande erudito. Exímio pianista e violonista (poucas pessoas sabem disso), gosta de um bom vinho e de uma boa conversa. Com tantas qualidades, não demorou para engrenar um bate-papo com o ilustre convidado. Como tinha na estante da sala o citado licor de pequi, ofereceu a exótica bebida ao deputado, mas se “esqueceu” de falar que o teor alcóolico dela era bem alto. Hélio Bicudo, sem saber do perigo que estava correndo, fol fundo na degustação. Nesse dia não aprendi nada sobre os antecessores das milícias que hoje estão tomando conta das grandes cidades brasileiras. O álcool não permitiu.
Em 2005, presenciei outro caso pitoresco envolvendo álcool e política. Fui convidado para participar da “pajelança” que um conhecido intelectual adamantinense iria fazer para tentar selar a paz entre um prefeito recém-eleito e um reitor de faculdade. Na reunião teria muito vinho, cervejas e whisky 12 anos, mas eu não poderia beber nada. Era necessário alguém sóbrio para fazer o registro da conversa e caso os ânimos se acirrassem, para acalmar as partes envolvidas. O encontro teve início ao anoitecer e se estendeu pela madrugada. Nesse interim, os três “amigos” consumiram uma quantidade de bebidas que daria para embebedar no mínimo umas 20 pessoas.
O primeiro a ir a nocaute, fol o autor da idela da “pajelança”. Em seguida, fol a vez do reitor da faculdade chamar cachorro de cacho. Os dois tinham cometido o erro de misturar vinho com cerveja. Enquanto a dupla cambaleava, o prefeito, apesar de ter tomado um litro de whisky, se mantinha firme como uma rocha. Passava das 2h da madrugada, quando o reitor saiu com o seu carro rasgando o asfalto na Av. Capitão José Antônio de Oliveira. Como o intelectual estava muito ruim, com medo que ele sofresse um perigoso coma alcoólico, nós resolvemos esperar um pouco, para, se fosse o caso, levá-lo até a Santa Casa. Felizmente, depois de chamar o “Juca” várias vezes e tomar melo litro de café forte e sem açúcar, o homem deu uma melhorada.
Com a ‘situação” mais ou menos controlada, eu e o prefeito pegamos os nossos carros e seguimos até a frente do clube da ACREA de Adamantina, onde paramos para tirar a água do joelho e fazer uma pequena avaliação da reunião. Demos muitas risadas e chegamos à conclusão de que tirando a bebedeira da dupla, não tinha acontecido nada de importante no hilário encontro. Por fim, deixo para a análise do leitor, duas lições que tirei dos casos relatados neste inocente texto. Todo ser humano está sujeito a cometer um ato falho em algum momento da vida, e cachaça em discussão política nunca será um bom negócio. Aliás, dia destes um churrasco para a apresentação de um pré-candidato ao cargo de prefeito quase termina em tragédia.