Semana passada, recebi um pequeno texto, de autoria desconhecida, que diz ‘’insistir em algo que nunca dá certo, é como calçar um sapato que não serve mais. Machuca, causa bolhas e até sangra. Aí você percebe que o melhor é ficar descalço. Deixar totalmente livre o coração, enquanto vive. Deixar livre os pés, enquanto cresce. Porque, conforme a gente cresce, o número do sapato muda. E o que você insistia em usar, não lhe serve mais. Às vezes na vida, você tem que esquecer o que quer, para começar a entender o que merece.’’
Chama atenção como poucas palavras consegue passar uma mensagem com tantos significados (para quem tem sensibilidade, é claro). Não só pela nostalgia existente na bela metáfora, que nos remete ao passado, mas também pelos questionamentos críticos contidos nas entrelinhas. Alguém saberia dizer quantas crianças já choraram em nosso país por causa dos sapatos que ficaram apertados? Ou quantas pessoas um dia sonharam com uma vida melhor no Brasil? Difícil responder com exatidão, mas não foram poucas.
Não é de hoje que lágrimas e sonhos se misturam nos lares dos brasileiros mais humildes. Mesmo assim, nos últimos quatro anos, significativa parcela da população começou a se contentar com as migalhas oferecidas pelos donos do poder, e passou a apoiá-los. Fortalecida pela inocente mudança de rumo tomada na senzala, a casa grande não demorou para colocar em prática os seus antigos propósitos. Logo os trabalhadores perdiam direitos conquistados com muitas lutas no passado.
Como se não bastasse, com a desculpa de modernizar o país, os donos do poder tentaram acabar com a Justiça do Trabalho e o com sistema de cotas raciais no ensino superior. Todavia, em nenhum momento falaram em mudar os ultrapassados critérios utilizados nos vestibulares das universidades públicas. Talvez porque de um lado estão os filhos da elite, que fazem cursinhos preparatórios de excelência; e do outro, os filhos dos pobres, vindos de uma escola pública que sequer valoriza os seus professores. Nem é preciso dizer quem leva a melhor nessa desumana disputa.
É fato que existem exceções, mas são tão raras que quando um pobre passa no vestibular de uma grande universidade pública, a conquista dele acaba virando noticia de capa em importantes veículos de imprensa. O que dizer então dos subsídios e das anistias que o governo costuma dar para as grandes empresas que não cumprem as obrigações com o fisco? Enquanto isso, o trabalhador tem descontado do seu minguado salário, de forma compulsória, impostos que nem sempre são repassados ao erário público. Dois pesos, e duas medidas? Não! Regras do aclamado mercado.
Felizmente, com a mudança de governo, as crianças estão ganhando sapatos novos. No entanto, os ideais dos donos do poder continuam os mesmos, e ainda existem muitos pobres (ou seriam capitães do mato modernos?) hipnotizados pelas fake news fascistas, acreditando que tudo que atende o interesse de quem segura o chicote, também atenderá o interesse deles.
Em tempo: para que não fiquem dúvidas, os donos do poder a que me refiro neste texto não são os maus políticos. São os mandachuvas das grandes corporações que financiam campanhas eleitorais de pessoas sem nenhum pudor, para depois ter quem defenda os seus projetos nefastos nos poderes Executivo e Legislativo, seja na Nova Alta Paulista ou em Brasília.