O cemitério e as suásticas, artigo onde falei da trajetória dos imigrantes alemães na Nova Alta Paulista teve grande repercussão, sobretudo na cidade de Lucélia. Isso mostrou que alguns fatos ocorridos no passado precisam ser lembrados de tempos em tempos para que nunca sejam apagados da história. Seguindo este roteiro, hoje falaremos mais um pouco dos impactos da Segunda Guerra Mundial na vida dos pioneiros que aqui chegaram no início do século passado.
Como o leitor deve ter percebido, neste texto focaremos nos problemas que os imigrantes japoneses enfrentaram no decorrer do conflito mundial. Diferente dos alemães que só foram perseguidos depois do Brasil ter aderido, em agosto de 1942, à causa dos países aliados; os japoneses foram perseguidos desde o início da guerra. Fazer reuniões ou falar no idioma japonês em público, já era motivo suficiente para despertar o ódio dos “nacionalistas” brasileiros e render dissabores para o povo nipônico.
A perseguição era tanta, que não demorou muito para o presidente/ditador Getúlio Vargas declarar como ilegais o uso da bandeira e da língua japonesa até mesmo em atividades nas próprias comunidades dos imigrantes. Com a opressão só aumentando, os japoneses resolveram se organizar. Assim, no mesmo mês de agosto de 1942, foi criada, em Marilia, uma associação para unir a comunidade nipônica no Brasil. Denominada Shindo Renmei, que traduzido significa “Liga do Caminho dos Súditos”, a entidade tinha como principal objetivo manter à fidelidade dos imigrantes ao Imperador Hiroito, que nunca havia perdido uma guerra e era considerado invencível.
Na Nova Alta Paulista, a associação se organizou em várias cidades, com destaque para Tupã, Bastos, lacri, Osvaldo Cruz, Inúbia Paulista e Lucélia. Em seguida, a Shindo Renmei começou a enviar informações deturpadas para as colônias por meio de jornais e de transmissões em rádios piratas, sempre no idioma japonês. O sistema de comunicação era eficiente, e as mentiras faziam os imigrantes acreditarem que o Império Japonês estava vencendo a guerra. Em 8 de maio de 1945, a guerra chegou ao fim na Europa. Como os japoneses continuavam resistindo, nos dias 6 e 9 de agosto os norte-americanos lançaram as bombas atômicas nas cidades de Hiroshima e Nagasaki. Isso fez com que o Japão se rendesse em 2 de setembro e a guerra terminasse de vez.
A notícia de que o até então invencível exército imperial havia sucumbido ante os aliados dividiu a comunidade japonesa no Brasil. Os imigrantes mais bem-sucedidos e que tinham acesso a informações imparciais aceitaram a derrota nipônica de imediato. Porém, a maioria dos pioneiros, manipulada pelas mentiras da cúpula ultranacionalista da Shindo Renmei, fizeram exatamente o contrário. Do conflito de ideias, nasceriam dois grupos distintos: os “derrotistas” makegumis, chamados pejorativamente de “corações sujos” porque acreditavam na derrota japonesa; e os “vitoristas” kachigumis, que achavam que o Japão havia vencido a guerra. Com a discórdia, não demorou para que as primeiras fake news políticas de que se tem notícia na região, cumprisse com o seu papel e instalasse o caos entre os imigrantes japoneses.
Para piorar, em meio as divergências, no mês de janeiro de 1946, na cidade de Tupã, um fato se tornou o estopim da violência que iria pairar por um longo tempo nas colônias japonesas na Nova Alta Paulista. Um grupo tokkotai, composto por sete imigrantes (que depois ficariam conhecidos como “os sete samurais” de Tupã), tentou degolar com katanas (espadas japonesas) um incauto cabo da Força Pública (atual Polícia Militar), que havia limpado as suas botas em uma bandeira do Japão, num condenável gesto de intolerância e desrespeito aos japoneses. A propósito, tokkotai é uma abreviação de Taiatari Tokubetsu Kogekitai, em português “pelotão dos moços suicidas”.
Depois do episódio de Tupã, os ataques dos tokkotais se alastraram, e, em 7 de março de 1946, ocorreu a morte de um imigrante japonês que acreditava na derrota do Japão na Segunda Guerra Mundial. Ikuta Mizobe, então presidente de uma cooperativa de agricultores em Bastos, foi assassinado porque havia reunido os colaboradores da entidade e, sendo uma pessoa muito honesta, contado a verdade sobre o desfecho da guerra. Em seguida a morte de Mizobe, os ataques dos membros da Shindo Renmei se tornariam constantes e iriam fazer vítimas até o mês de fevereiro de 1947, assassinando mais 22 “makegumis” e ferindo outros 147 no Estado de São Paulo.
No mesmo período, o DOPS prendeu mais de 30 mil suspeitos e condenou 381 a penas que iam de um a 30 anos de prisão. No início da década de 1950, a maioria deles estava livre da cadeia. Na Nova Alta Paulista, os ataques fatais (e pouco lembrados) dos tokkotais da Shindo Renmei se deram nas cidades de Osvaldo Cruz, Bastos e Tupã. Detalhe. A existência da organização, que tinha mais de 120 mil filiados, só foi “percebida” pelas autoridades quando os seus membros começaram a matar os imigrantes que falavam a verdade sobre o desfecho da guerra para os conterrâneos.
Nota do autor. Existe um vasto material sobre a Shindo Renmei que pode ser pesquisado, como teses acadêmicas, matérias jornalísticas, revistas e livros. No entanto, se fosse para recomendar algum trabalho sobre o tema, eu recomendaria o livro-reportagem Corações Sujos, de Fernando Morais, pois nele estão gravados os nomes de personalidades que participaram do evento, cujos descendentes ainda vivem na região.