Por: Nivaldo Londrina Martins do Nascimento (Mtb 35.079/SP)
“No inferno os lugares mais quentes são reservados àqueles que escolheram a neutralidade em tempo de crise”. (Dante Alighieri)
Na entrega das chaves da COHAB Vila Rica, um dos primeiros conjuntos habitacionais do sistema, teve de tudo; de inflamados discursos da extrema direita às lágrimas dos que realizavam o sonho da casa própria. Isso, em 21 de abril de 1967, depois de se cantar o hino nacional com a mão no lado esquerdo do peito, como mandava a ditadura militar, e das mudanças serem feitas pelos caminhões do exército.
Ganhavam assim um pouco de dignidade os descendentes de escravos que até então habitavam os fundos de vale em Campinas. Essa era uma amostra do que os militares iriam fazer no “milagre econômico”, período em que multidões sonhavam acordadas. A seguir o país se transformaria num canteiro de obras: seriam construídas novas hidroelétricas, a Transamazônica, a ponte Rio/Niterói, novos aeroportos e metrôs nas principais capitais. A construção civil crescia e quase não havia desemprego.
Quinze anos depois, o povo começou a sentir o peso dos primeiros acordos que Delfim Netto fizera com o FMI. No início da década de 1980, o desemprego cresceu e acabou chegando ao conjunto Vila Rica. Poucos moradores conseguiam comprar uma bicicleta e tomar um aperitivo no bar. Mas o sarará Ismael parecia viver num mundo diferente. Todo dia, ia ao barzinho tomar sua cerveja e jogar sinuca; nos fins de semana, não perdia um baile nem deixava de ir ao cinema. Para ele, a crise parecia não existir.
Não demorou, a boa vida de Ismael passou a intrigar os amigos: ele teria de falar como conseguia dinheiro para manter aquele estilo de vida de filho de militar graduado. Assim, numa reunião nada democrática, o sarará se viu obrigado a confessar que estava caçando sapos para uma curandeira benzer carteira de trabalho de desempregados, e que ela pagava cinco cruzeiros por animal.
A revelação deflagrou a maior caçada já vista em Campinas. Na manhã seguinte, os amigos foram à casa de Ismael com dois sacos repletos de sapos, querendo saber o endereço da mãe de santo, para receberem a recompensa pela noite de sacrifício nas lagoas e brejos da região. “Nem morto, eu digo!”, gritou nosso herói. Com essa histórica frase, estabelecia-se o monopólio do sapo em Campinas (consequência da miséria imposta aos trabalhadores pela ditadura militar).
Publiquei essa história, que é verídica, em 31 de maio de 2003. Entretanto, como inocentes pobres de direita continuam flertando com o fascismo, resolvi trazê-la de volta para mostrar que num regime de exceção quem mais sofre são as classes trabalhadoras. E já que na nossa cidade ainda existem entulhos do autoritarismo que costumam fazer denúncias infundadas contra quem pensa diferente, a eles dedico todo o meu desprezo. Afinal de contas, nunca fui neutro em minha vida.