Por: Nivaldo Londrina Martins do Nascimento (Mtb 35.079/SP.)
*Navios negreiros cruzaram o Atlântico por mais de 300 anos, trazendo nos porões seres humanos escravizados na mãe África. Calcula-se que tenham chegado ao Brasil mais de quatro milhões. Sem contar os 20% que não sobreviveram à viagem.
Enquanto durou a escravidão (mais de três séculos), o negro fez parte de um mundo globalizado, ou seja, usou a sua força de trabalho para o progresso das colônias e dos países emergentes da época.
Hoje, com o novo rumo tomado pela globalização, o negro continua saindo do continente africano em porões de navios e até em trens de pouso de aviões. Foge de suas pátrias como o diabo foge da cruz. Afinal de contas, na atual globalização não existe espaço para os povos dos países periféricos. Nesse contexto inclua-se o Brasil.
Por falar em nosso país, em 4 de setembro, chegou ao porto de Santos, proveniente de Serra Leoa, um navio com passageiros clandestinos no porão, inclusive com mortos asfixiados pelas péssimas condições da viagem.
Refletindo sobre esse triste episódio, chegamos a uma dura conclusão: quando seres humanos arriscam a vida para chegar a um país miserável como o nosso (quarta pior distribuição de renda do planeta) é porque algo muito errado está acontecendo. E, cá entre nós, isso ocorre porque o G-7 (grupo dos sete países mais ricos) fechou suas fronteiras para os imigrantes de países pobres. Em seus projetos de especulação não cabe mais ninguém, muito menos pobres. Esse é o fiel retrato dos porões da globalização”. Diário do Oeste, 20 de novembro de 2002.
Quando publiquei o texto acima, fazia quatro anos que havíamos colocado a questão racial na ordem do dia em Adamantina. Passados quase 22 anos, muitas coisas mudaram no mundo, no nosso país e na nossa cidade. O avanço tecnológico se deu de forma rápida e surpreendente nos países ricos, melhorando a vida dos seus cidadãos. No entanto, nos países pobres a miséria e a opressão aumentaram drasticamente.
No Brasil, governos progressistas criaram programas de inclusão e reparação à população afrodescendente, com destaque para os programas de cotas raciais nas universidades públicas. Mesmo assim, quando observamos com atenção a pirâmide social brasileira, percebemos que ainda vai demorar para o negro conquistar, de fato, o direito à igualdade plena em nosso país. Detalhe. Temos a segunda maior população negra do mundo, ficando atrás apenas da Nigéria.
Em Adamantina, entre 1998 e 2002, ocorreram dois casos de injúria racial que ganharam repercussão nos jornais da época. O primeiro sofrido por um estudante de escola estadual e o segundo por um jovem que trabalhava na construção de um campus universitário, Isso fez com que a nossa luta contra o racismo se intensificasse na cidade. Anos depois, conquistamos um espaço dedicado à cultura afrodescendente na Biblioteca Pública Municipal (Espaço Afro Cultural Geógrafo Milton Santos). A intenção era usar o acervo, composto por livros específicos, nas discussões sobre racismo nas escolas do município. Infelizmente, as coisas não correram como imaginávamos.
Por algum “motivo”, com poucas exceções, os livros não foram utilizados como deveriam ser em atividades escolares. Com isso, a discussão sobre o racismo em sala de aula ficou restrita aos dias 13 de maio e 20 de novembro. Fosse diferente, talvez não teríamos os supostos casos de injuria racial que nos últimos dias agitaram as redes sociais. Que os futuros governantes entendam que o racismo é uma doença que deve ser tratada de forma constante nas salas de aula e não apenas em datas comemorativas.