Em sentença proferida nesta quarta-feira (9) pelo Poder Judiciário da Comarca de Adamantina e lançada nos autos nesta quinta-feira (10) – de acesso público e disponível no site do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo – o pastor evangélico Sidinei Buzatto foi condenado a 10 anos de detenção a serem cumpridos em regime semiaberto, além da suspensão de se obter a permissão de dirigir veículo automotor por 15 anos, a R$ 150 mil em indenizações às vítimas, e ao pagamento das custas processuais. A ação penal de crimes de trânsito tramitou no Fórum local.
O Siga Mais procurou a defesa do pastor. O advogado Bruno Félix de Paula disse que vai ingressar com recurso contra a decisão do judiciário local. “Vamos recorrer da decisão e acreditamos na reforma da sentença”, declarou.
Na noite do dia 23 setembro do ano passado o religioso se envolveu em um acidente de trânsito na Rodovia Moyses Justino da Silva envolvendo o automóvel que dirigia – uma GM Equinox – e uma moto. O utilitário SUV colidiu na moto, ferindo o condutor e sua mãe idosa de 72 anos que era levada na garupa. Após o acidente o pastor deixou o local sem prestar socorro às vítimas.
Testemunhas conseguiram visualizar um adesivo de campanha política no vidro traseiro do veículo, o que permitiu identificar o pastor como responsável pela condução do automóvel. O veículo foi encontrado em uma oficina mecânica em Lucélia, na mesma noite do acidente, já com o adesivo retirado.
O pastor foi preso em flagrante, na ocasião, e após pagamento de finança – em torno de R$ 70 mil – pôde responder sobre o caso em liberdade. O caso ganhou ampla repercussão e a igreja em que o pastor passou a atuar chegou a emitir nota onde lamentou o ocorrido.
Nos autos, o condutor da moto narrou que no dia do ocorrido estava retornando de Adamantina voltando de um velório e quando se deslocava pela vicinal saiu um carro na contramão vindo em sua direção. Disse que tentou desviar, mas acertou sua mãe que estava na garupa sendo arremessados em lados distintos. A idosa foi levada ao pronto-socorro pelas equipes de resgate, porém não resistiu morreu em decorrência
de politraumatismo. O piloto sofreu múltiplas lesões.
A condenação do pastor foi embasada, substancialmente, bom base no 302, §1º, inciso III, do Código de Trânsito Brasileiro (CTB), que define o crime de homicídio culposo na direção de veículo automotor, no caso da morte da idosa, e por praticar lesão corporal culposa, com base no artigo 303, §1º, c. c. o artigo 302, §1º, inciso III, do CTB, referindo-se às lesões causadas no condutor da moto. E ainda, com base no artigo 305 também do CTB, por afastar-se do local do acidente.
A ação penal que condenou o pastor foi promovida pelo Ministério Público do Estado de São Paulo (MPSP). O inquérito da Polícia Civil de Adamantina, laudos periciais da Polícia Científica e do Instituto Médico Legal (IML) também integraram a peça que descreve a dinâmica do acidente e os fatos que se desencadearam a partir da sua ocorrência.
Em audiência de instrução prestaram declaração a vítima, quatro testemunhas da acusação e duas testemunhas comuns, uma testemunha da defesa e dois informantes. O réu também foi interrogado. O processo 1501206-86.2024.8.26.0081 tramitou na 1ª Vara da Comarca de Adamantina. A decisão é do juiz Fabio Alexandre Marinelli Sola.
Defesa
Conforme a sentença, o réu declarou que no dia do ocorrido comprou duas latinhas de cerveja para um amigo, pois havia sido destituído da igreja, enquanto seu amigo ainda permanecia ativo. Alegou que ficou 25 anos na presidência da igreja e que fez muitas obras na cidade para o ministério, ficando muito deprimido após seu afastamento.
Seus advogados apresentaram defesa durante a tramitação processual, onde pleitearam que fosse reconhecido incidente de insanidade mental. “No mérito, de forma concisa, [a defesa] assegurou que o réu estava em estado de desorientação mental, sem qualquer consciência de provocar o evento danoso, não restando comprovado que teria agido com descuido, alta velocidade ou desatenção deliberada, afirmando ausência de responsabilidade penal pelos crimes imputados a ele”, descreve a sentença sobre a atuação da defesa.
Ainda de acordo com o documento, os advogados do réu alegaram cerceamento ao direito de defesa, bem como reivindicaram a possibilidade de acordo de não persecução penal (ANPP),
A defesa também tentou afastar a tese de que o réu pudesse estar sob efeito de bebida alcoólica, apontada pelo MPSP; questionou o valor das indenizações, tentou obter a liberação do veículo do réu que foi apreendido; e mencionou haver fragilidade quanto ao crime de fuga do local do acidente. Em suas fundamentações levadas aos autos, a defesa buscou a absolvição do réu. E em caso de condenação, que fosse aplicada a penal no mínimo legal, com aplicação da confissão espontânea e da colaboração.
Na sequência da sentença o magistrado faz sus considerações. “Assevera a defesa o cerceamento de defesa decorrente do indeferimento de instauração do incidente de insanidade mental para aferir eventual inimputabilidade do réu, contudo, sem razão. A medida apenas se mostra pertinente quando há elementos mínimos a indicação da plausibilidade da alegação, o que de fato, não há nos autos”.
Em outro trecho, ainda sobre o mesmo argumento da defesa, prossegue: “Ademais, não há qualquer dúvida ou evidência de que o réu fosse total ou parcialmente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento, quanto mais após a instrução, onde restou mais do evidenciado a concatenação de pensamentos muito alinhados a fuga da responsabilidade penal. Por outras palavras, o incidente de insanidade mental busca avaliar a capacidade de uma pessoa de compreender o caráter ilícito de seu comportamento. Assim, para sua instauração, é necessário que existam nos autos indícios da incapacidade de compreensão, ou seja, elementos capazes de apontar o raciocínio prejudicado. No caso, inexistentes dúvidas ou suspeitas sobre a higidez mental do réu, descabendo falar em cerceamento de defesa e, por conseguinte, nulidade”.
No que diz respeito ao acordo de não persecução penal (ANPP), o juiz narrou que a questão foi exaustivamente debatida nos autos, inclusive com envio ao órgão superior do Ministério Público (Procurador Geral de Justiça, que insistiu no indeferimento. “Portanto, o Acordo de Não Persecução Penal não é direito subjetivo do acusado, mas sim prerrogativa do Ministério Público, ao qual cabe a proposição do acordo caso verifique presentes os requisitos exigidos pelo artigo 28-A do Código de Processo Penal, o que não se tem no caso”, afirma o magistrado na sentença.
Homicídio, lesão corporal e fuga do local
Depois, na sentença, o juiz pontou sobre cada um dos crimes em que o réu foi acusado pelo MPSP. Quanto ao crime previsto no artigo 302, §1º, inciso III do CTB, o magistrado abriu exposição sobre esse tópico pontuando que “inexistem dúvidas que o réu praticou homicídio culposo na direção de veículo automotor”, condição que levou a idosa, garupa da moto, ao óbito.
A sentença traz trecho da perícia criminal com a dinâmica do acidente. “Os elementos materiais coligidos no local permitem a este perito relator inferir que trafegava o SUV pela contramão, na faixa de sentido Lucélia – Adamantina. Quando dos exames, a distribuição dos fragmentos dos componentes veiculares sugerem que o SUV colidiu contra a motoneta no limiar da faixa de tráfego Lucélia – Adamantina com seu respectivo acostamento, o SUV continuou pelo acostamento por aproximadamente mais 100 metros e voltou para a rodovia, evadindo-se do local”, descreve o documento pericial.
Na sequencia o magistrado narra a conduta do réu. “Deste modo, a culpa do réu está devidamente demonstrada, pois agiu de forma imprudente na condução do veículo automotor e, infringindo o dever de cuidado objetivo, sem as necessárias cautela e atenção, provocou o acidente e a morte da vítima Isaura Baraldi Gestal. Do mesmo modo, restou devidamente comprovado que o réu deixou de prestar socorro à vítima, o que lhe era possível fazê-lo sem qualquer risco pessoal ou justificativa plausível. A tese defensiva de confusão mental não merece o mínimo crédito, pois, diante do que se tem nos autos, foi nítida a capacidade do réu de se evadir do local do acidente, sem prestar socorro às vítimas, bem como pela sua conduta de ocultar o veículo em oficina para criar narrativa na tentativa de se esquivar de sua responsabilidade no acidente. Lembre-se, ainda, que até mesmo pedido para que sinal identificador do veículo foi feito com o intuito de confundir as investigações o que denota habilidade e capacidade redobradas de cognição”.
Em outro trecho o magistrado segue: “Ademais, ainda que não comprovada documentalmente a embriaguez, diante do que se tem nos autos, eventual “confusão mental” do réu somente se justificaria pelo consumo de bebida alcoólica, considerando que flagrado por câmeras de segurança de uma conveniência comprando cerveja e, após o acidente, a testemunha (…) o presenciou descartando as latas, ainda mais que se recusou ao teste do etilômetro, prova que comprovaria de forma concreta a ingestão ou não de bebida alcoólica. Enfim, a “confusão” não pode ser “seccionada” apenas para o lapso temporal que aproveitaria a Defesa do réu, argumentação que beira a ingenuidade”, continuou.
Em seguida o magistrado abordou sobre o crime previsto no artigo 303, §1º, combinado com o artigo 302, §1º, inciso III, ambos do CTB, por praticar lesão corporal culposa na direção de veículo automotor, tendo como vítima o condutor da moto. Em linhas gerais reiterou os pontos já narrados em relação aos fatos que culminaram com a morte da idosa. Laudos periciais reconheceram as lesões corporais causadas a esta vítima.
Depois, o magistrado expôs sobre as acusações estruturadas pelo MPSP com base no artigo 305 do CTB, que aborda a conduta do réu em ter deixado o local do acidente. “Diante do que se tem nos autos, induvidosa a prática do delito previsto no artigo 305 da Lei 9.503/97, já que o réu, após causar o acidente, ausentou-se do local, com o intuito de fugir de sua responsabilidade”, afirmou o magistrado. “No caso, é claro que o réu não quis permanecer no local dos fatos para evitar ser identificado e se esquivar de qualquer responsabilidade”, prosseguiu.
Após se posicionar sobre cada um dos crimes atribuídos ao réu, o juiz reconheceu estarem “Devidamente demonstradas, portanto, a autoria e a materialidade dos crimes praticados pelo réu, é de rigor a procedência da ação”. Por fim, fixou a pena.
Além da imposição de das penalidades de detenção em regime semiaberto, pagamento de indenização, a proibição de dirigir e o pagamento das custas processuais, o juiz negou o pedido da defesa pela restituição da fiança e liberação do SUV apreendido. “Por fim, o pedido de restituição da fiança e liberação do veículo não pode ser acolhido nesse momento processual”, decidiu. “A fiança é uma caução dada pelo acusado até o final do feito, além do que serve a garantir o pagamento de multas, despesas processuais e indenizações, nos termos do artigo 336 do Código de Processo Penal. A restituição apenas acontece nos termos do artigo 337 do CPP”, explanou.