Por: Nivaldo Londrina Martins do Nascimento (Mtb 35.079/SP.)
E então, que quereis?…“Fiz ranger as folhas de jornal abrindo-lhes as pálpebras piscantes. E logo de cada fronteira distante subiu um cheiro de pólvora perseguindo-me até em casa. Nestes últimos vinte anos nada de novo há no rugir das tempestades. Não estamos alegres, é certo, mas também por que razão haveríamos de ficar tristes? O mar da história é agitado. As ameaças e as guerras havemos de atravessá-las, rompê-las ao meio, cortando-as como uma quilha corta as ondas”. Cada frase deste poema de Vladimir Malakóvski (também conhecido como o poeta da Revolução Russa), nos traz uma mensagem que merece reflexão.
O velho e bom jornal impresso está com os dias contados. O cheiro de pólvora continua sendo sentido pelos pobres mundo afora. As mudanças climáticas estão presentes e as tempestades rugem cada vez mais fortes. Não estamos alegres ou tristes, estamos sobrevivendo. Em alguns lugares o mar da história continua agitado, em outros nem tanto. Algumas guerras não serão atravessadas tão cedo, rompê-las ao meio se tornou uma utopia e pensar em cortá-las como uma quilha corta as ondas é um sonho distante. O genocídio dos palestinos mostra como “evoluiu” a humanidade.
Em tempos tão sombrios, se faz necessário buscarmos respostas no passado para corrigirmos a nossa rota rumo ao futuro. Estive refletindo sobre isso no evento de inauguração do Museu e Arquivo Histórico “Setsu Onishi” de Adamantina. No local é possível fazermos uma viagem nostálgica aos primórdios da cidade. Lá existem muitos objetos que eram utilizados para dar algum conforto no duro dia a dia das gerações que nos antecederam. Também podemos apreciar verdadeiras obras de arte de quando o talento humano supria a limitação das ferramentas da época.
Os detalhes esculpidos na madeira do altar, nos pilares e nas vigas que dão sustentação ao pequeno espaço sagrado são impressionantes. Vale a pena darmos uma passada de olhos mais atenta na magnifica obra-prima de marcenaria. A mesma recomendação serve para o vasto acervo de fotografias que registra importantes fatos envolvendo os pioneiros que começaram a chegar na região, ainda na década de 1930, a serviço da Companhia de Agricultura, Imigração e Colonização (CAIC), para realizar os levantamentos topográficos que iriam servir de base para fixar as divisas entre os futuros municípios da Nova Alta Paulista.
Não por acaso, na entrada do museu está instalado um imponente teodolito. O velho aparelho, que é testemunha ocular da história do município, foi utilizado na demarcação de grandes obras em Adamantina. Portanto, merece o lugar de destaque. Por coincidência, fui o último topógrafo a trabalhar com o antigo instrumento. Isso entre 1986 e 1987, quando foi substituído por um teodolito mais moderno. Mesmo assim, em menos de dois anos, com o velho aparelho fizemos os levantamentos e as demarcações do Ginásio Poliesportivo, das Áreas Comercial e Industrial, da Estrada Vicinal Jose Bocardi, de centenas de casas populares e de muitas obras de drenagem urbana.
Entretanto, não foi só o reencontro com o antigo teodolito que chamou a atenção deste contestado articulista. Pude constatar ainda que foi corrigida uma injustiça que perdurava quase 17 anos. Explico. A professora Elizabeth Gomes Meirelles é até hoje a única mulher a assumir oficialmente o cargo de prefeita de Adamantina. Esse fato se deu em 2007, mas a sua foto e nome não constavam na galeria dos ex-prefeitos da cidade. Inconformado com o premeditado e preconceituoso “esquecimento”, depois de cobrar algumas autoridades, relatei o caso, como forma de protesto, no livro Meu legado de lutas socioambientais.
Presentes no lançamento da citada obra, a incansável ativista social Meire Cunha e a vereadora Noriko Saito resolveram abraçar a relevante causa. Resultado. Hoje a foto da primeira mulher a ocupar o cargo de prefeita na cidade está inserida na galeria dos ex-prefeitos. Assim, uma importante página da nossa história foi resgatada. Por tudo isso que relatei até aqui, só me resta agradecer os/as idealizadores/as do Museu e Arquivo Histórico “Setsu Onishi” e dizer que o velho teodolito e a foto da Beth são fragmentos da minha existência que serão eternizados no importante espaço cultural.