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“A feira livre resiste. A pergunta é: resistirá sozinha?”
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No último domingo, entre idas e vindas, acabei passando pela Feira Livre de Adamantina. E se olharmos um pouco pela região, acordar cedo aos domingos sempre foi quase um ritual na Nova Alta Paulista. Antes mesmo de o sol riscar o horizonte, as feiras já fervilhavam como se a semana inteira tivesse se guardado para aquele momento.
O cheiro de pastel se misturava ao da terra úmida dos legumes recém-colhidos, e cada feirante trazia uma história. Algumas eram verdadeiras, outras nem tanto, algumas chegavam devidamente aumentadas, como manda o costume. Mas todas indispensáveis ao cenário.
Entre as barracas coloridas e as vozes que se cruzavam, a cidade parecia mais viva. A feira era o nosso jornal falado, o ponto de encontro, o teatro improvisado e, para alguns, até o show sertanejo matinal. Havia algo profundamente democrático ali: todos cabiam, todos pertenciam, todos participavam. Mas, como quase tudo por aqui, as feiras também mudaram, e nem sempre para melhor.
Hoje ainda existe o cheiro do pastel, mas junto vem a suspeita de que o preço do gás subiu mais do que deveria. Ainda há tomates brilhando na banca, mas o brilho não dura quando o comprador olha a etiqueta. E os feirantes continuam resistindo mais por teimosia do que por lucro, sustentando uma tradição que a cidade gosta de elogiar, embora raramente se esforce para preservar. Basta observar como o número de barracas diminuiu nos últimos anos.
Falamos da feira como se fosse patrimônio afetivo, mas deixamos a agricultura familiar competir sozinha com a logística das grandes redes. Celebramos o produto da terra, mas não garantimos terra, nem política, nem planejamento. Aplaudimos o feirante no domingo e o esquecemos na segunda-feira, quando a luta dele continua e a nossa, convenientemente, não.
E, mesmo assim, é impossível não sentir aquela nostalgia boa. A música que sai da caixinha de som, o feirante que sabe o nome da sua avó, o cheiro dos temperos e do café moído na hora, a criança com o algodão doce na mão ao som da flautinha do vendedor. Tudo isso nos prende a um tempo em que a vida parecia mais simples, mais nossa.
A feira livre, no fundo, é uma metáfora da própria região. É cheia de tradição, cheia de gente trabalhadora, cheia de beleza, mas sempre à beira de se perder na pressa de um mundo que já não tem tempo de caminhar devagar pelo corredor das barracas.
Talvez o ponto mais crítico seja admitir que a feira só continuará viva enquanto houver gente disposta a valorizar o pequeno, o local, o que é nosso. E o mais nostálgico é lembrar que um dia isso foi quase óbvio!
Porque, no fim das contas, a feira livre é um daqueles lugares onde a cidade ainda respira, mesmo que às vezes pareça prender a respiração para continuar de pé.
Tiago Rafael dos Santos Alves
Professor da Rede Estadual de SP / FADAP/FAP – Tupã
Historiador – nº 0000486/SP
Gestor Ambiental: CREA-SP nº 5071624912
Mestre pelo PPGG-MP – FCT/UNESP
Doutorando pelo PGAD – FCE/UNESP
E-mail: tiagorsalves@gmail.com

