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“Enquanto tratarmos a natureza como cenário, continuaremos atuando num teatro onde a vida já não tem plateia”.
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“A natureza não precisa ser salva. Quem precisa ser salvo é o homem que esqueceu de ser natureza”.
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No último sábado, entre uma atividade e outra da pós-graduação, fui até Paulicéia, perto do rio Paraná, visitar um assentamento. O Sr. José Luiz, um dos assentados me recebeu, como sempre, com um sorriso sereno e o semblante emocionado. Chamam-no de guardião de sementes crioulas, e ele carrega esse título com a leveza e a clareza de quem entende o peso que isso tem.
Entre o cafezinho, o bolo e as frutas, a roda de conversa ganhou vida com a sua fala sobre a terra, e o seu acesso a ela. E quando a fala vem carregada de exemplos, tudo fica mais interessante. Foi exatamente isso que ele fez! Começou a mostrar as garrafas e os compartimentos onde guarda suas sementes. Cada grão, uma história. Cada semente, uma lembrança de tempos em que o campo ainda tinha rosto e nome.

“Esse milho aqui tem milhares de anos”, disse, com o cuidado de quem segura um recém-nascido. Fiquei em silêncio, tentando entender tudo o que cabia naquela fala simples. E percebi que ele não falava só de sementes, falava de futuro, resistência e pertencimento.
Lembrei das palavras de Ailton Krenak, quando fala da florestania, esse modo de viver em que o ser humano se sente parte da natureza, e não seu dono. Aquele agricultor, sem nunca ter lido Krenak, já vivia a florestania no gesto de plantar, no respeito à chuva e na fé no tempo da terra.
Lembrei também de Nego Bispo, que fala da contracolonização, o ato de reexistir/resistir à força do progresso que arranca as raízes e transforma tudo em mercadoria, ou quando fala no “envolvimento”, contrário à lógica do “des” “envolver”, o homem da natureza.
Aquele homem, com suas mãos calejadas, era a prova viva dessa reexistência/resistência. Enquanto o agronegócio (patronal) espalha monoculturas e silencia as vozes do campo, ele espalha diversidade e faz do silêncio da terra um canto de esperança.
Enquanto conversávamos, ele apontou para o horizonte, lá onde a terra havia dado lugar a mais um plantio de cana, com aquele olhar de quem sabe que aquilo não vai alimentar ninguém!
Fiquei pensando em quantas vezes o progresso chegou assim: sem pedir licença, sem ouvir o chão, sem respeitar o tempo de quem mora nele, ou de quem precisa dele para “viver”.
No caminho de volta, enquanto eu observava os plantios de cana, por todos os municípios que passava, percebi que aquele guardião me ensinara mais do que qualquer livro, e por um instante me perguntei, com um certo ar de preocupação: Quem será que vai plantar “comida” para a posteridade?
Enquanto muitos correm atrás de produtividade e resultados, ele segue cuidando de sementes, e talvez seja isso que nos falta: menos metas e mais raízes. Porque no fim das contas, preservar uma semente é resistir à pressa do mundo. É dizer que o futuro ainda pode germinar, mesmo em solo rachado!
Tiago Rafael dos Santos Alves
Professor da Rede Estadual de SP / FADAP/FAP – Tupã
Historiador – nº 0000486/SP
Gestor Ambiental: CREA-SP nº 5071624912
Mestre pelo PPGG-MP – FCT/UNESP
Doutorando pelo PGAD – FCE/UNESP
E-mail: tiagorsalves@gmail.com