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ARTIGO: Os deuses ajudam os inocentes

Por: Nivaldo Londrina Martins do Nascimento (Mtb 35.079/SP.)

Não sei a data exata, só sei que o caso se deu no final da década de 1990. Foi um dos maiores apertos que passei na vida. Não só eu, mas também Sebastião Januário (Tião), Irmão do sindicalista Aparecido Januário (Pé de Ferro). Quando o fato ocorreu, o Sindicato dos Trabalhadores na Movimentação de Mercadorias de Adamantina, ficava na Avenida Rio Branco, logo abaixo do Banco do Brasil. A entidade tocava várias frentes de serviços e era muito frequentada pelos saqueiros da região.

Como os líderes da categoria, Pé de Ferro e Domingão, tinham muitos amigos, isso fazia com que várias pessoas visitassem a sede do sindicato. Eu era uma dessas pessoas.Sempre que podia, estava tomando um café com eles e jogando conversa fora. Apesar das desavenças serem corriqueiras no estabelecimento, só tive um desentendimento lá e mesmo assim com um saqueiro que vivia procurando confusão com todo mundo. Dei uns “conselhos” ao valentão, e as coisas se normalizaram para o meu lado. Pelo menos até o dia em que apareceu um novo personagem na entidade de classe.

O sujeito, parecia ser sistemático e de poucas palavras. Logo fiquei sabendo que se tratava de um famoso benzedor que morava num sítio próximo ao Bairro do Mourão. O homem benzia espinhela caída, quebrante, mal olhado, olho de peixe e resolvia uma infinidade de outros problemas, inclusive questões conjugais. Entretanto, a sua grande especialidade era retirar, por meio das suas orações, cobras peçonhentas das propriedades rurais. Nessa atividade, tinha extensa folha de serviços prestados à conhecidos pecuaristas da região.

Com o passar do tempo, as visitas do benzedor se tornaram constantes. Como havia resolvido alguns problemas de pessoas ligadas à entidade de classe, isso bastava para justificar a sua presença na sede do sindicato. Num belo dia, o homem convidou o jovem Evandro, filho do Domingão, para acompanhá-lo num trabalho que iria fazer na fazenda de conceituado pecuarista de Adamantina. Evandro quis saber como seria o serviço, e ele disse que faria as suas orações em três dos quatro cantos da propriedade e as cobras iriam embora pelo canto que ficaria sem benzimento. Acontece que a conversa dos dois não parou nisso.

Percebendo o receio estampado no rosto de Evandro, o benzedor acabou detalhando o seu trabalho. Falou que as cobras, após o benzimento, se tornariam dóceis e fariam uma fila indiana para sair da propriedade. Para encorajar o jovem, que acabaria aceitando o convite, disse ainda que se encontrassem alguma cobra de tamanho avantajado, tipo uma sucuri ou surucucu-pico-de-jaca, eles poderiam montar nas costas dela, como se faz num cavalo, e dar uma boa “cavalgada” pela fazenda.

Todo empolgado, o rapaz veio correndo nos contar os absurdos que acabara de ouvir. Estávamos num grupo de umas dez pessoas. Todos riram, mas eu e Tião, fomos além e colocamos algumas pitadas de humor na história. A nossa conversa acabou chegando ao ouvido do benzedor e ele ficou furioso. Para piorar a situação, no final de semana combinado para fazer o “serviço”, Evandro desistiu de participar da empreitada.

Acreditando que tínhamos influenciado na desistência do rapaz, o benzedor prometeu trazer da fazenda um “presentinho” para mim e outro para Tião. Dias depois, encontrei um corretor na praça Ello Micheloni e este disse para ficarmos espertos, pois havia uma pessoa, com uma cobra coral escondida no bolso da calça, nos procurando. Preocupado, avisei Tião sobre o risco que estávamos correndo. Tudo indicava que a intenção do benzedor era dar um jeito de fazer o perigoso animal nos morder. Mesmo sabendo que éramos vítimas de uma fofoca, pensamos em pedir desculpas ao homem, mas (por motivos óbvios) não tinha como chegarmos perto dele para conversarmos.

Para nossa sorte, os deuses ajudam os inocentes. Não sei se a oração que torna as cobras dóceis tem prazo de validade. Mas o fato é que a coral, enfezada de tanto ficar no bolso do benzedor, resolveu se vingar. Depois da mordida, a mão do caboclo ficou parecendo uma pipa (como diria a minha saudosa avó Augusta Maria). Também não sei como ele se safou do imprevisto, se com orações ou com soro antiofidico. De qualquer forma, o incidente serviu para fazer com que o camarada sumisse do mapa.

Por fim, antes que algum desavisado fale que nesse episódio eu e Tião cometemos o crime de intolerância religiosa, gostaria de dizer que quem nos conhece sabe que sempre respeitamos as diversidades culturais existentes em nosso país, sejam elas quais forem. O nosso único erro nessa história toda, foi termos dito à Evandro que no Mato Grosso do Sul existem cobras voadoras (o que não deixa de ser verdade). E que se ele e o seu amigo benzedor encontrassem uma delas de porte avantajado, em vez da “cavalgada”, poderiam fazer um belo voo panorâmico sobre a fazenda.

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